No final dos anos 70, meu pai levou para casa uma Câmera Kodak Super 8, que vinha com um pequeno projetor analógico acoplado. Eu e meus 5 irmãos não cansávamos de ver aquelas mesmas filmagens da família na piscina Tony, com aquelas roupas e cabelos típicos, projetadas na parede, revelando aquela deslumbrante tecnologia. E é nesse clima de nostalgia que se passa o já consagrado filme ‘Ainda Estou Aqui’, onde uma família típica dos anos 70 é a protagonista deste drama de Walter Salles, lançado dia 07 de novembro no circuito nacional.
Se você ainda não viu o filme, aconselho voltar depois para ler este artigo, para que os spoilers não atrapalhem a sua experiência sensorial sobre a película. E literalmente “película”, já que a direção de arte, impecavelmente traz uma estética com textura granulada, numa abordagem extremamente retrô, incluindo efeitos especiais para trazer à tela, um Rio de Janeiro autêntico da década de 70. Ao começar o filme, já nos primeiros minutos, a gente inevitavelmete se sente transportado para o passado. Principalmente para quem viveu naquela época, podendo identificar em cada figurino, em cada objeto de cena e em cada cenário, a nostalgia de um tempo que não volta mais.
A História
Vale ressaltar que os anos eram de chumbo, apesar da época ser conhecida como “Anos Dourados”, para aqueles que não tropeçaram na ditadura militar. Com seus desaparecidos e torturados, o regime militar foi colecionando vítimas, desde o golpe em 1964. E é com muita sensibilidade que o diretor Walter Salles conta a história de Eunice Paiva, mãe, esposa, que se tornou ativista pelos direitos humanos, após o marido nunca mais ter voltado do DOI CÓDI. Eunice lutou incansavelmente para honrar o nome do marido, preso e torturado pelo governo do General Médici. Walter Salles cuida de cada cena, cada composição e cada detalhe, com muito cuidado, confeccionando uma verdadeira obra de arte. No segundo ato, a nostalgia dos “anos dourados” que o filme apresenta no primeiro ato, vai dando lugar ao incômodo e tristeza dos anos de chumbo. A experiência para quem não conhece a obra que deu origem ao filme, é surpreendente a cada momento, torcendo para que esta história acabe bem, principalmente por ser baseada em uma história real. O filme é inspirado no renomado livro “Ainda estou aqui” de Marcelo Rubens Paiva, um dos filhos de Rubens Beyrodt Paiva, engenheiro civil e político brasileiro, dado como desaparecido durante a ditadura, retratado na premiada obra literária e magistralmente transformado nesta mais nova obra prima do cinema nacional.
O Elenco
O ator Selton Mello, que interpreta o Deputado Rubens Paiva, nos apresenta um pai de família extremamente carismático, capaz de nos despertar empatia, mesmo com pouco tempo de tela. Empatia suficiente para a gente torcer e sofrer por ele. Já para o papel da protagonista Eunice Paiva, Walter Salles convidou Fernanda Torres, que entrega uma interpretação tão marcante, que levamos Eunice para casa após a sessão de cinema. Mais ainda, eu diria que a interpretação da Fernanda Torres nos faz levar Eunice no coração, como se a dor dela realmente importasse para todos nós. Já os filhos pequenos, são interpretados por Bárbara Luz como Nalu jovem, Maitê Padilha como Cristina, Luiza Kosovski como Eliana jovem, Cora Mora como Babiu jovem. As crianças dão um espetáculo de interpretação, já que tiveram 8 meses de preparação, além da atenção e apoio dos atores mais velhos e mais experientes. No final do filme, quando o drama nos mostra uma Eunice envelhecida, já no fim da vida, o diretor nos presenteia com uma atuação marcante de Fernanda Montenegro, cuja semelhança física com a atriz que interpreta a protagonista jovem, não é mera coincidência. Segundo Fernanda Torres, lá no Festival de Veneza, alguns desavisados sobre mãe e filha estarem fazendo a protagonista, elogiaram a maquiagem, dizendo que o maquiador merecia ser premiado.
Direção de Arte
A direção de arte do filme ‘Ainda Estou Aqui’, foi caprichosa ao retratar o período em que a história se passa, com extrema fidelidade. Tudo foi trabalhado de uma forma tão minuciosa, em todos os detalhes, que realmente parece que o filme foi filmado há 40 anos atrás, mas com um roteiro dinâmico e atual. Carros, casas e prédios antigos; vestuário perfeitamete adaptado; objetos de cena adequados à época, tudo é perfeito em todos os detalhes.
E todo esse cuidado não ficou restrito ao figurino e cenários. Para se conseguir a textura granulada de filme antigo, não foram usados simples efeitos digitais, mas filmagens com película de verdade, tendo inclusive, que ser revelado na França, onde algumas empresas reveladoras de negativos para filmes, ainda resistem ao tempo. O filme conquistou o prêmio Green Drop Award, Festival de Veneza, de “Melhor Roteiro”, e foi ovacionado de pé no Festival de Veneza, aonde o prêmio foi concedido. O filme foi produzido pela Conspiração Filmes, Globo Play e Arte France Cinéma.
No fim, percebemos que tudo foi feito com muito cuidado pelo caprichoso cineasta Walter Salles, que aproveitou não só a sua técnica em contar uma boa história, mas também a sua experiência de vida, já que quando garoto, era amigo dos filhos dos Paiva, e frequentava a casa da família no Leblon. Por fim, depois de nos nos remeter aos anos 70, a direção e as atuações estonteantes, nos faz adotar a corajosa Eunice Paiva como nossa guerreira, que com sua coragem e garra, nos dá força para enfrentarmos qualquer dificulade e nos traz um medíocre o alívio, de não termos passado por situação semelhante a desta família. E não por acaso, quando o filme termina a gente sai com um nó na garganta, refletindo cada momento bom. desta breve jornada que chamamos de vida.