Baseado em um capítulo do romance francês “Écoute”, de Boris Razón, e dirigido pelo francês Jacques Audiard, EMÍLIA PEREZ (2024) tem se consagrado nessa safra do cinema, conquistando inúmeros prêmios, em diversas categorias: melhor Musical; melhor interpretação; melhor filme; melhor Roteiro; melhor Trilha Sonora; melhor direção; tudo isso, nos mais aclamados Festivais de Cinema do mundo. O filme Emília Perez tem sido tão premiado, que certamente despertará a curiosidade desde o público mais cinéfilo, até os menos inclinados à sétima arte.
Mas porque tanta premiação em um filme que tem levantado tanta polêmica? Sobre as premiações, o que certamente vem encantando os Festivais mundo afora, foi a mistura de uma trama de suspense do mundo do crime mexicano, com um drama de descoberta de auto-identidade de uma mulher trans, interpretado por uma mulher trans, encenado como um musical e com uma mensagem importante para os dias de hoje. Esses elementos certamente fazem com que EMÍLIA PEREZ tenha uma identidade muito singular. O filme se mostra bem interessante artisticamente, quando por exemplo, apresenta o figurino deslumbrante de Anthony Vaccarello, estilista da tradicional grife francesa Yves Saint Laurent; quando apresenta diálogos cantados, no melhor estilo dos musicais franceses, sem rimas e com simples conversas melodiosas. Bem diferentes dos musicais “padrão Broadway” e suas músicas contagiantes e bem encaixadas nos filmes; sem falar da maquiagem perfeita, que transformou Karla Sofia Gascón em “Manitas”, sua personalidade antes da transição de gênero. O drama é um musical sobre cartéis de drogas no México e o desejo de um chefão de facção de mudar de vida e se tornar uma mulher trans. Abrangendo temas atuais e controversos, não é à toa que o filme vem encantando os júris e colecionando prêmios, em todos os festivais por onde passa. As atuações da protagonista Emília, interpretada pela Karla Sofia Gascón, e da coadjuvante Rita, interpretada pela Zoë Saldaña, estão magníficas. Principalmente Sofia Gascón, enquanto Manitas.
Porém, contudo e todavia, conforme vem chegando a data da premiação do OSCAR, uma academia relevante no cenário comercial da sétima arte, Emília Perez passou a ter seus bastidores expostos, revelando assim, uma péssima impressão da comunidade trans, que passou a taxar o filme como “caricato, clichê e superficial”, pelo fato de o mesmo estereotipar mulheres trans, promovendo mais homofobia do que aceitação pela heteronormatividade. E o que os críticos não relevaram, a internet tratou de revelar, deixando a produção do filme em maus lençóis. Primeiro perguntaram porque um filme sobre o México, não tinha atores mexicanos? A resposta da produção foi que “não encontraram atores mexicanos bons o suficiente para tais interpretações”, sendo a única mexicana no elenco, a personagem Epifanía, interpretada pela atriz Adriana Paz; em segundo lugar, descobriram publicações racistas e preconceituosas, nas redes sociais, da protagonista Karla Sofia Gascón, atacando imigrantes Palestinos, movimentos negros, incluindo o falecido George Floyd e o movimento Black Lives Matter. Até o Oscar já foi criticado por Karla Sofia Gascón, justamente por promover diversidade e inclusão. Karla Sofia Gascón alcançou bastante notoriedade ao longo da sua carreira e é consagrada pelo público europeu. Talvez por isso, se dá ao luxo de ser preconceituosa com as demais minorias. Os posts de Karla Gascón são lamentáveis e mostram uma contradição descabida. Tanto que, segundo a cantora Selena Gomez, às vésperas do Oscar, “fez com que a magia do filme desaparecesse”. Para piorar, a atriz a fim de justificar os ataques que estava recebendo, principalmente de haters brasileiros, em uma entrevista ao Jornal Folha de S. Paulo acusou a produção do filme AINDA ESTOU AQUI, seu maior concorrente no Oscar, de estar encampando tais protestos contra o concorrente nas redes sociais. Em outra entrevista ela chorou e pediu desculpas pelas suas postagens, atrapalhando ainda mais a promoção do filme, fazendo com que a NETFLIX cancelasse todo patrocínio de campanha do longa, nestas semanas que antecedem a premiação. Divulgação esta que estava sendo realizada através da atriz principal Karla Sofia Gascón. Segundo a NETFLIX, a partir de agora, a mesma terá que custear sua estadia e permanência nos EUA.
Quanto à minha opinião sobre a impressão que tive do filme, terei que dar spoilers. Portanto, caso não tenha visto o filme, sugiro que vá ver e volte para ler o resto da matéria, já que cada um pode ter uma experiência diferente, absorvendo uma impressão bem particular da obra cinematográfica.
ANÁLISE COM SPOILERS
A minha torcida e expectativa ao começar o filme era que fosse uma experiência, no mínimo, interessante, fazendo jus aos prêmios que vem colecionando. Mas a minha impressão foi de estranheza desde a primeira cena musical. De imediato achei que o tom da trama, que envolve violência urbana e facções criminosas e traficantes armados, não ficou legal com um balé de armas AK-47. Tampouco as coreografias e diálogos cantados. Achei feio e de mal gosto. O meu sentimento, ao ver os musicais, foi de “vergonha alheia”. Achei as músicas estranhas, mal encaixadas, com coreografias mais estranhas ainda. Neste ínterim comecei a duvidar da minha capacidade de analisar uma obra cinematográfica, porque o filme que eu estava vendo não era o mesmo das premiações. Não obstante, corri para ver análises de críticos consagrados, o que me deixou tranquilo, na medida em que é quase um consenso o sentimento que o filme gerou nesses mesmos críticos, como Isabela Boscov e Jurandir Gouvea. Nessas pesquisas pelas redes sociais, discordei somente do Anderson Almeida, do Canal “Gaveta”, dizendo que as premiações permeiam o modismo, quando a melhor explicação sobre a valorização do filme enquanto “musical” pelos críticos, encontrei na análise do Max Valarezo, do Canal “Entre Planos”, que explicou a referência do Diretor Jacques Audiard, em relação ao tom dos musicais, que pareciam inspirados em musicais franceses, com seus diálogos cantados.
Algumas incongruências no roteiro me tiraram a imersão, como o fato dela continuar com capangas, mesmo deixando o mundo do crime. Também estranhei ela se relacionando apenas com mulher e sendo agressiva com sua ex-mulher, exatamente como quando era “Manitas”. Segundo o canal “Trans-missão”, da Samanta Mendanha (uma ativista trans), Jacques Audiard mirou na representatividade e acertou no ofensivo, ao mostrar uma mulher trans estereotipada conforme a visão dos homofóbicos, que afirmam que pessoas trans nos enganam o tempo todo em relação às suas verdadeiras aspirações, intenções, sentimentos e comportamentos.
Portanto, após pesquisar e perceber que minhas impressões em relação ao filme não foram superficiais, fiquei mais tranquilo para dizer que EMÍLIA PEREZ tem seus méritos, por levar uma mulher trans ao pódio de “melhor atriz” nos melhores Festivais de Cinema do mundo, mas tropeçou na arrogância do diretor, que afirmou que não precisava pesquisar sobre o México e seus costumes, tão pouco ter atores mexicanos, para fazer um filme sobre o México e seu problema com os cartéis de facções criminosas. Segundo o diretor, não havia verba para filmar no México, justificando o motivo do filme ter sido filmado na França, seu país de origem. O resultado é um filme com uma premissa bastante promissora, mas que entrega uma promessa vazia e sem essência, apesar de ser uma obra bastante autêntica.
O QUE EU FARIA DIFERENTE
O que eu faria diferente nessa obra, mantendo o mesmo enredo e final, seria primeiramente não ser um musical; também não faria a cena em que a filha do Manitas reconhece em Emília Perez o cheiro do pai, já que segundo as mulheres trans, o cheiro é a primeira coisa que muda após a transexualidade. Ao invés disso, naquela cena onde Emília começou a ser agressiva com a ex-mulher, a mesma perceberia que se tratava do falecido Manitas. Com isso, Emília revelaria para os filhos sua transformação, causando alvoroço, até eles a aceitarem como ela era. Mas já seria tarde demais, pois por vingança dela ter bloqueado a conta da ex-mulher e matado seu noivo, revelaria para o país a verdade (com redes sociais, jornais e televisão transmitindo tudo em tempo real), sendo Emília perseguida pelos algozes, até acontecer o acidente que levou à sua morte. No fim, as pessoas aceitariam Emília Perez sabendo da sua transexualidade, sendo para aquelas famílias que ela ajudou a encontrar os corpos, uma santa amada; e para aquelas famílias que perderam seus entes queridos para a facção criminosa do Manitas, um eterno assassino odiado. Isso viria a causar uma polarização e uma briga intensa durante a procissão final, entre partidários de Emília e desafetos de Manitas, com a Estátua de Emília Perez quebrando no chão, antes do “fade out”.